Autonomia concorrente dos prefeitos para decretar normas
mais brandas esbarra na Lei Federal Nº 13.979/20 que já estabeleceu as medidas
para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus.
Desde quando as autoridades brasileiras começaram a adotar
medidas para impedir o avanço do covid-19 iniciou-se uma discussão sobre a
autonomia dos estados e municípios em contraponto a Medida Provisória 926/2020.
Essa MP, em tese, serviria para centralizar ao governo
Federal as competências para determinar o que são serviços essenciais e para
limitar a circulação interestadual e intermunicipal de pessoas e mercadorias.
Não concordando com isso, o PDT entrou com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) e o ministro Marco Aurélio, em decisão liminar,
asseverou que os estados, Distrito Federal e municípios têm competência
concorrente para tomar essas medidas.
Depois desta decisão do STF, muita gente começou a
interpretar este ato do Supremo de forma literal sem considerar outros
preceitos legais. Por estarmos em ano eleitoral, questão foi politizada na
tentativa de desmerecer o trabalho dos prefeitos que não conseguem qualquer
vitória ao questionar as ações do Plano São Paulo do governo do Estado.
Tanto é assim que, nenhum município teve sucesso em manter
as leis e decretos elaborados com normas mais flexíveis que o decreto do estado
de São Paulo sobre a pandemia do coronavírus que, até, agora tem prevalecido
quando a questão chega às estâncias superiores.
De fato, não há como negar que o artigo 23, inciso II, da Constituição
Federal (CF) confere aos estados e municípios competência para legislar sobre
questões de saúde, mas essa autonomia não é absoluta e tem limites.
Um artigo dos advogados Priscila Kei Sato, David Pereira
Cardoso e Smith Barreni publicado no site Migalhas no dia 7 de abril deste ano,
lança luz a discussão para que não fiquemos à mercê de intepretações “espúrias”
atreladas a interesses eleitoreiros.
No artigo, os advogados comentam a decisão do STF e destacam
alguns aspectos sobre a isonomia dos municípios o que nos dá uma visão mais
clara sobre dessa questão. Depois de abordar a ADI impetrada pelo PDT e a decisão
do ministro Marco Aurélio, o artigo salienta que qualquer norma adotada pelo município
estar autorizada e alinhada com as normas pré-estabelecidas.
“As providências administrativas adotadas pelos Estados e
Municípios com fundamento na competência comum prevista art. 23, II, da CF,
devem estar autorizadas, previamente, em lei. Os atos de “polícia sanitária”
não podem ser praticados de forma autônoma pelo Executivo, que está vinculado
ao princípio da legalidade estrita, de fundamental importância no direito
administrativo (arts. 5º, II, e 37 da CF)”, diz o artigo que continua:
“Em outras palavras, os Estados e Municípios não podem impor
medidas sanitárias que não estejam previstas, de antemão, na Lei Federal
13.979/20 (ou em outro diploma legislativo), especialmente aquelas que
restringem o exercício de direitos fundamentais, como a liberdade, a
propriedade e o exercício de atividade profissional”, ponderam os advogados.
A Lei Federal 13.979/20 dispõe sobre as medidas para
enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional
decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
Essa lei foi criada obedecendo ao artigo 24, inciso XII da
Constituição Federal diz que compete à União editar as normas gerais a respeito
da proteção da saúde, ou seja, há uma lei maior que delineia as ações a serem tomadas
em relação à pandemia.
Diante do fato que a União já editou lei específica sobre
ações de saúde para o combate à pandemia, os municípios, valendo-se do artigo
30, inciso II diz que estados, o Distrito Federal podem editar normas
suplementares, ou seja, mais rígidas e não mais brandas como pretendem alguns
críticos.
Caso não existisse uma lei específica sobre isso, aí sim os
municípios poderiam usar o preceito legal da autonomia concorrente prescrito na
CF e relembrado pelo ministro Marco Aurélio na decisão do pedido de liminar do
Partido Democrático Trabalhista (PDT) na Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI6341).
O artigo dos advogados que são mestres, doutores e graduado
em várias áreas do direito sustenta a argumentação lembrando o julgamento do
Recurso Especial 586.224 pelo STF que decidiu por unanimidade num conflito
entre normas entre Estado de São e Município de Paulínea sobre uma lei que
contrariava disposição de uma lei do Estado sobre matéria inserida do âmbito da
chamada “competência comum suplementar” que foi declarada inconstitucional.
“Município é competente para legislar sobre o meio ambiente
com a União e Estado, no limite do seu interesse local e desde que tal
regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes
federados”, decidiu o Tribunal Pleno com sentença publicada em 08 de maio de 2015.