quarta-feira, 25 de abril de 2018

Sistema Público de Saúde de Piraju está fracassado

Veja o que o médico Osvaldo Ortega pensa de como está hoje, o Sistema de Saúde de Piraju, que ajudou a implantar na gestão de Maurício Pinterich.
O médico Osvaldo Ortega foi o responsável pela implantação
do Programa Saúde da Família em Piraju

Em 1994 a administração pública decidiu implantar em Piraju o Programa de Médico Saúde da Família. Quando  começou a funcionar, o Programa Saúde da Família (PSF) de Piraju deu tão certo que foi referência no Brasil. De lá para cá muita coisa mudou para pior e o sistema de saúde municipal sofre severas críticas. Nesta entrevista, Osvaldo Ortega, médico que implantou o sistema no município fala da situação atual do PSF e o que pode ser feito para melhorar a saúde de Piraju.
PRNews - O modelo de Piraju e do Brasil é fracassado?
Ortega - Sim porque não segue a diretriz do próprio sistema. O Ministério repassa uma verba para o município por unidade de PSF, mas não define a regra do jogo como a dedicação exclusiva do médico do PSF, nem a jornada de trabalho. Com isso temos médicos com jornadas de 4, 6 e 8 horas de trabalho. O sistema é público, mas não existe a figura do médico do SUS. Deveria existir, mas não existe para determinar o piso para os salários dos outros médicos.
PRNews - A saúde de Piraju tem solução?
Ortega - Lógico que tem solução. A primeira coisa a se fazer é perguntar para as pessoas se querem continuar com o Programa Saúde da Família (PSF). Se a resposta for sim, então vamos resgatar o que é o PSF. Vamos definir quem será o prestador de serviço, salários e quais as exigências. Se disserem que não, há que se mudar o sistema novamente. Todavia, nunca é demais dizer que a sabotagem dos princípios básicos do PSF acontece em todo o Brasil e não só em Piraju. “Outro dia eu falei para a Luciana. Se eu fosse você eu mudava esse modelo. Estamos discutindo PSF desde 94. O sistema já tem 24 anos e já atingiu a maioridade. Se não se sabe fazer até hoje, não vai saber mais. Os governos não entendem que precisam pagar o médico melhor, a enfermeira melhor, o dentista melhor. Por exemplo, há quanto tempo estavam ganhando R$ 12 mil? É claro que esse valor é um bom salário, só que, no consultório o médico ganha muito mais. Se ele pode ganhar R$ 25 mil ele passa a concorrer com o serviço público”, lamentou o responsável pela implantação dos PSF em Piraju que defende a tese de ou se aplica o que realmente é o PSF ou adota outro sistema.
PRNews - Dá para tocar o PSF em Piraju?
Ortega - Em Piraju isso dificilmente vai acontecer. Precisa ter muito conjugação de forças. O prefeito e o departamento de saúde precisam ter um bom entendimento, tem que se unir a associação de moradores. Tem que mudar o que existe hoje. Não dá mais para o pronto socorro atender de 3 a 4 mil pessoas por mês. Isso é caso de polícia. Primeiro porque é desumano para quem está trabalhando. E, segundo, o médico acaba, por estafa, aumentando a sua chance de errar.
PRNews - O que fazer para mudar essa realidade?
Ortega - O que eu faria hoje? Criaria mais unidades de pronto atendimento, no Teto e na Estação, por exemplo, com médico 10 horas para atender das 7h às 17h. Isso desafogaria o Pronto Socorro. Reestrutaria as equipes de PSF  e montaria uma equipe para atender as pessoas que estão acamadas (homecare) 
PRNews - E o atendimento no pronto socorro às pessoas dos municípios vizinhos?
Ortega – Claro, que tem que atender. Essa discussão de o município ser ou não referência é ruim para Piraju que abriu mão de sua posição histórica de liderança regional e perdemos em melhora de serviço. Quer um exemplo? Por quê que as cirurgias aqui ainda são feitas as céu aberto e não por vídeo? Nós ainda abrimos a barriga das pessoas porque deixamos de ser a cabeça da região. As pessoas vão para outro lugar. Todas essas cidades (Tejupá, Sarutaiá, Timburi, Manduri, Óleo, Bernardino e até Fartura) poderiam vir pra cá, porque aqui é a sede da região, gostando ou não. Sempre foi a essência de Piraju comandar a região. É de sua história. Renunciar a isto, é deixar de crescer e de evoluir.
PRNews - Por que se gasta tanto dinheiro e não resolve o problema da Saúde?
Ortega - Porque gasta errado. Quanto se gasta de gasolina, diária de motorista, manutenção de frota com transporte de pacientes para fora? Quanta você gasta com exame complementar sem necessidade? Tem outra questão. Cada cidadão tem que gerar por ano duas consultas o que daria 60 mil consultas no ano levando em conta nossa população que é de 30 mil habitantes. Do jeito que está a Saúde hoje, somente no Pronto Socorro está gerando 4 mil consultas ao mês. Consulta consome dinheiro.
PRNews - A questão salarial é primordial para o bom funcionamento do modelo de Saúde de Piraju?
Ortega - Sim, mas uma política de salário definida para toda a equipe. Não pode deixar a turma na incerteza. Se combinou que haverá correção tem que dar, não ficar três anos com o mesmo salário. E também, não pode dar correção apenas para alguns médicos. Tem que ser para toda a equipe. Dentistas, psicólogos, médico de ambulatório, enfermeiros, etc....
É difícil, por exemplo, dirigir o Departamento de Saúde do jeito que está na questão dos remédios? Claro que sim. Pois falta gestão. Se você correr a cidade, vai ver que tem muito remédio retirado do dispensário que o paciente não está tomando. Cadê o controle do cidadão para entender que não é todo mundo que tem que pegar o remédio? E que remédio que a gente vai dar? A lei tem que definir quais os remédios que podem ser fornecidos. E tem médico receitando remédio que sequer tem licença no Brasil. De A a Z, do Ministério da Saúde ao menor município do Brasil, todos reclamam que tem que gastar muito com remédios para pessoas individualmente, em detrimento da coletividade. O dinheiro é um só. Se gasto R$ 10 mil com um, vai faltar R$ 10 mil para os outros todos.
PRNews - E a Organização Social (OS) como funciona na gestão da Saúde de Piraju?
Ortega - A OS administra os PSFs e o Ambulatório. É uma sacada legal, desde que você deixe trabalhar. Hoje, o que existe, é a descentralização de serviço, mas não de mando. A Prefeitura interfere o tempo todo. Ela tem que definir se quer ter um parceiro ou um escravo. A Prefeitura se serve da filantropia da OS para não pagar o INSS, para não ter mais funcionários públicos, mas não dá autonomia.
PRNews - Essa interferência é muito grande?  
Ortega - Enorme. Quer ver como? Por que os PSFs fecham em ponto facultativo se nenhum funcionário é servidor público?  Somente os agentes comunitários de saúde são. PSF tem que trabalhar em ponto facultativo porque os funcionários são da OS. A Prefeitura impõe a dispensa dos funcionários para a OS e o problema é que, com os PSFs fechados, todo mundo vai para o hospital e lota o pronto socorro.
PRNews - De onde vem a verba para a saúde?
Ortega - Através de convênios. O primeiro é o da municipalização da saúde quando o hospital aceitou prestar serviço para o SUS.  O segundo o convênio entre a Prefeitura e o hospital para o Pronto Socorro. A Prefeitura repassa uma verba mensal e o hospital entra com o corpo clinico. Antes, os médicos eram obrigados a dar plantão no pronto socorro sem receber. Com o tempo o corpo clínico deixou de ter essa obrigação que é do hospital. O terceiro é a Subvenção que o hospital recebe da Prefeitura e o quarto é o convênio com a OS.
PRNews - Essa verba toda não é suficiente para bancar a saúde?
Ortega - Lógico que é. Na época do Pinterich em 2000 fiz um planejamento para tocar a saúde com R$ 4 milhões. Hoje, este valor corresponderia a R$ 12 milhões, e a Prefeitura gasta R$15 milhões somente de seu orçamento próprio. Se for levar em conta orçamento total de R$ 80 milhões aí o valor é muito maior. E a moeda, em 18 anos, não desvalorizou tanto assim, não é? Tem dinheiro para esbanjar? Não. Mas eu estou convencido de que o que tem daria para fazer muito melhor.
PRNews - Se tem verba, qual o problema então?
Ortega - O que se tem hoje dentro do sistema é um problema de normatização. É a normatização que está errada e o prestador de serviço. Vamos definir, se é a OS é a OS, então a Prefeitura não pode interferir. Por exemplo, se os profissionais querem um aumento, com quem devem conversar, com o diretor administrativo da Prefeitura? Não. Eles têm que conversar com o empregador e este vai conversar com a Prefeitura. Isto está pactuado no contrato, mas não é assim que funciona. O que competiria à Prefeitura seria fiscalizar e pronto.
PRNews - E a responsabilidade da população quanto ao uso do pronto socorro?
Ortega - A população joga a regra do jogo que se propõe para ela. Qual é o critério de urgência para um cara que está com sarna coçando pra caramba? Para ele é urgência. Não se paga sarna de hoje para amanhã, mas quando começa a coçar ele quer resolver o problema. Ele vai no posto e ninguém resolve. Ele vai no pronto socorro. A população não tem o entendimento da ação básica. Ela quer assistência e, se não tem não reclama de imediato. Vou dar um exemplo. Uma gestante tem que fazer 12 consultas de pré-natal. Você não vê ninguém reclamar porque fez 7 ou 8 consultas apenas. Ela vai reclamar se alguma coisa der errado lá na frente. As pessoas reclamam da falta de assistência.
Um hipertenso que está sem visita não reclama. Só vai fazer isso quando tiver uma dor de cabeça depois um AVC e for para o pronto socorro. O diabético também. Você precisa dar assistência, claro, mas a complicação lá na frente pode ser atacada antes nos PSFs, através da prevenção. Aí eu tenho a população a meu favor.
PRNews - Qual o papel da estabilidade do diretor de Saúde?
Ortega – Imprescindível. O cara que mais deu estabilidade para o diretor de saúde foi o Chico Pipoca que, no período de 89 até 92, teve um único diretor de Saúde. A partir daí, todos os demais prefeitos tiveram de dois até quatro diretores em cada mandato. Além disto, não se tem no Departamento um corpo técnico duradouro, que possa nortear o planejamento por anos a fio.
PRNews - Porque não há estabilidade para o diretor trabalhar?
Ortega - Existe a pressão do prefeito que não entende do negócio e quer a assistência. Existe a demanda do vereador porque o diretor começa a aparecer demais e pode ser um futuro candidato. O mesmo acontece com o prefeito, sem contar os outros candidatos naturais que ficam enchendo. Esse departamento dá muita exposição. Um diretor de saúde lida com as pessoas o tempo todo e, se quiser, tem assunto na imprensa todo a semana e todo dia. Não se pode esquecer do ditado que diz: “ninguém se sobressai impunemente”.

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